A tarde desta terça-feira (28), primeiro dia de III Encontro Internacional de Revitalização de Rios e o I Encontro das Bacias Hidrográficas de Minas Gerais, foi de intensos debates em torno dos desafios da recuperação do Rio Doce, severamente impactado com a lama da barragem de Fundão da mineradora Samarco, que rompeu há dois anos
O painel sobre o tema contou com Leonardo Deptulski, do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Doce; Camilla Laranjeira Brito, do MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens); Cristiana Losekann, da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo); Andréa Azevedo, da Fundação Renova; e Regina Pimenta Assunção, do IGAM (Instituto Mineiro de Gestão das Águas).
Representando o Comitê da Bacia, Deptulski questionou de início o que a sociedade tem feito para reduzir os riscos das barragens de rejeito da mineração. “Precisamos primeiramente reduzir o passivo que já existe, as centenas de barragens que já temos e que, hoje, comprovadamente já são um risco iminente. Em segundo lugar, precisamos pensar daqui pra frente como nós vamos continuar tratando a mineração e a destinação dos rejeitos”.
Em paralelo a essa questão, ele lembrou que, um mês antes da tragédia, o próprio CBH Doce promovia uma reunião para discutir várias outros problemas que assolavam a bacia, dentre elas a grave crise hídrica que o rio vivenciava. “Por perder força em razão da pouca vazão que tinha, até mesmo a foz do rio mudou de lugar”, afirmou.
Deptulski também indagou quais seriam os pontos positivos e negativos que hoje teríamos a partir do TAC (Termo de Transação de Ajustamento de Conduta) que foi assinado e que criou uma estrutura de governança nova: um comitê interfederativo gestor, uma fundação executora das ações, um plano com 42 programas e um orçamento estimado em R$ 20 bilhões.
Em tom de denúncia, Camilla Laranjeira Brito, do MAB, falou dos direitos humanos que estariam sendo violados desde a data do rompimento até os dias atuais, como o da moradia, das comunidades tradicionais, da problemática da água (que se subdivide em várias vertentes), de uma indenização justa, da informação e do acesso à justiça. “Dois anos após o rompimento, infelizmente a situação da bacia do Rio Doce hoje é de calamidade”, denunciou.
Brito também queixou-se das formas e dificuldades do reconhecimento dos atingidos pela Fundação Renova e perguntou onde foram empenhados os R$ 2,5 bilhões até hoje gastos na recuperação da bacia.
Já Cristiana Losekann, doutora em Ciências Políticas da UFES e que pesquisou exaustivamente a tragédia, se propôs a discutir, em meio a esse contexto, os efeitos entre duas dimensões: natureza e sociedade. A partir de uma análise qualitativa das ações judiciais e classificação dos pedidos, das reivindicações e linhas de argumentação que sustentam o mérito das ações, ela apresentou como cada efeito no ambiente natural foi sentido e percebido pelos indivíduos diretamente afetados.
Representando o IGAM, Regina Pimenta Assunção apresentou os resultados do monitoramento especial da Bacia Hidrográfica do Rio Doce pós-rompimento. Ela destacou que a análise se refere à água bruta do rio, e não ao que é diretamente destinado às populações após tratamentos das empresas concessionárias. “O que nós vemos é que, hoje, os sólidos em suspensão totais ainda estão violando [os limites legais], mas muito próximo das séries históricas”.
Ela também destacou toda a complexidade que envolve o caso, por seu ineditismo, e especialmente também pelo fato de abranger uma vasta extensão, envolvendo vários municípios e dois Estados brasileiros.
Veja a apresentação:
Diretora da Fundação Renova, Andréa Azevedo reconheceu os muitos pontos de melhoria destacados pelos outros participantes da mesa. “De fato, tem um monte de denúncias de coisas que a gente tem que melhorar. Entra elas está o assentamento, a questão das indenizações, da qualidade das águas, da qualidade desses ambientes. A gente tem os nossos limites sim e, por isso, a gente tem que reconhecer os nossos erros”.
Ela também destacou o fato que, logo após o rompimento da barragem, muitas das ações de reparação foram feitas no atropelo, ainda por funcionários da mineradora Samarco. “É imenso o tamanho de tudo o que a gente trata nessa dimensão da reparação. A Fundação Renova já nasceu gigante, tendo que cuidar de 42 programas. E, de fato, [no início] era fazer se constituindo”.
Azevedo também apresentou as formas de governança da Fundação e os programas de reparação que estão sendo desenvolvidos.
Veja a apresentação:
Amigos do Rio Chicago
Por mais de um século, o principal rio da cidade norte-americana de Chicago permaneceu contaminado por resíduos que vinham sendo nele despejados desde a Revolução Industrial. No entanto, quem caminha hoje às suas margens pode desfrutar de uma paisagem completamente diferente. Todo o processo de transformação do rio foi apresentado, em vídeo, por Margaret Frisbi, da Organização Friends of the Chicago River. Assista:
Processos ecológicos: rede de pesquisa em águas tropicais
Ainda durante o evento, o professor José Francisco Gonçalves, da UnB (Universidade de Brasília), apresentou os trabalhos que desenvolve junto a Tropical Research Alliance, via o Aguaripária – programa que surgiu para tentar suprir a carência de informações sobre os processos ecológicos que ocorrem nas zonas ripárias de diferentes Biomas, sob diversos regimes climáticos.
Gonçalves explicou a complexidade que é a restauração e revitalização de zonas ripárias – áreas de saturação hídrica, permanente ou temporária, cuja principal função é a proteção dos recursos hídricos de uma microbacia – em regiões tropicais, como o Brasil. “Aqui, encontramos de 15 a 180 espécies diferentes nestas áreas. E não estou falando de biomas como o amazônico, falo de Ouro Branco, aqui do lado, onde encontramos 180 espécies em meio hectare avaliado. Por isso, fazer a restauração dessas áreas é algo extremamente complexo. Tem que se levar em conta o quanto cada espécie representa no boom de energia do ecossistema, caso contrário não estaremos restaurando nada”.
Ao final, ele explicou qual contribuição o estudo busca para a gestão das bacias hidrográficas. “Nosso objetivo é apoiar os tomadores de decisão, influenciar as políticas para a água e novas perspectivas para o uso de recursos hídricos, além de compartilhar dados científicos e construção de modelos específicos para regiões tropicais”, concluiu.
Veja a apresentação:
Fórum Mineiro de CBHs reelege presidente do Velhas
O dia foi encerrado com reunião do Fórum Mineiro dos Comitês de Bacia Hidrográfica (FMCBH), que reelegeu o presidente do CBH Rio das Velhas, Marcus Vinícius Polignano, como o presidente da entidade mineira também.
Amanhã, segundo dia de evento, Sebastian Monsalve Gomez apresentará as experiências de revitalização realizadas em Medelín, na Colômbia; Alessandro Borsagli (PUC-MG) irá falar dos rios invisíveis da metrópole mineira; Roberto Andrés (UFMG) sobre a possibilidade de se nadar e pescar em rios urbanos no Brasil ; e Alice Lorentz (CBH Mucuri) e Cleá Amorim de Araújo (CBH Rio Araçuaí) sobre a conjuntura das bacias hidrográficas do Leste e Jequitinhonha de Minas Gerais – todos este durante a parte da manhã.
À tarde, haverá ainda as palestras ‘Os desafios e avanços da universalização do saneamento básico no Brasil’, por Rubens Filho, do Instituto Trata Brasil; ‘Visão geral sobre o reuso de água no Brasil’, do professor José Carlos Mierzwa (USP); ‘Os 20 anos da Lei das Águas, por Wagner Soares Costa (FIEMG), José Claudio Junqueira (Escola Superior Dom Helder Câmara) e Maria de Fátima Chagas; ‘Rios de Preservação Permanente’, pelo Professor Paulo dos Santos Pompeu (UFLA); e ‘Conjuntura das bacias hidrográficas do Paranaíba, Paraíba do Sul e Grande’, por Gustavo Mallaco (CBH Rio Paranaíba), Matheus Cremonese (Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul) e Paulo Roberto Machado Carvalho (CBH Rio Grande). Às 18h, haverá ainda o Encontro da Sociedade Civil pelas Águas.
O III Encontro Internacional de Revitalização de Rios e I Encontro das Bacias Hidrográficas de Minas Gerais seguem até quinta-feira (30) com uma programação extensa.
A revitalização em debate
Com o objetivo de apresentar as melhores experiências sobre a preservação de rios no mundo, tanto no campo quanto na cidade, o III Encontro Internacional de Revitalização de Rios e I Encontro das Bacias Hidrográficas de Minas Gerais irão reunir, entre 28 e 30 de novembro, no Minascentro, pesquisadores dos Estados Unidos, Europa e América Latina.
Os encontros são uma realização do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas), do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas (FMCBH), Projeto Manuelzão, Agência Peixe Vivo e Governo do Estado de Minas Gerais, por meio do IGAM (Instituto Mineiro de Gestão das Águas).
Fonte: CBH Rio das Velhas
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