Uma semana da tragédia de Brumadinho: busca, sobrevivência e fé

Uma semana da tragédia de Brumadinho: busca, sobrevivência e fé

Sexta-feira, 25 de janeiro. A pausa do horário do almoço na cidade em que todos se conhecem parece já durar uma semana. Desde que a barragem da Vale se rompeu, Brumadinho vive a dor, o luto e a falta de respostas de uma tragédia que não parece ter fim.

Pela perspectiva de um oficial da Polícia Militar (PM), de um sobrevivente e da fé de milhares de moradores da cidade de cerca de 40 mil habitantes, o G1 conta como foram esses primeiros dias desde que a lama engoliu vidas e despejou sofrimento.

Busca

Para quem espera notícias sobre os mais de 200 desaparecidos ou para aquelas 110 famílias que tiveram a certeza da morte, a última semana se traduz em agonia e uma tristeza imensurável.

Busca tem sido palavra constante nestes oito dias – tanto para quem aguarda respostas ou para aqueles que, incansavelmente, tentam amenizar o sofrimento da população, que, ao menos, espera poder enterrar os corpos de parentes e amigos.

Por terra ou por ar, do amanhecer ao entardecer, equipes do Corpo de Bombeiros varrem toda a área tomada pela mancha de lama. Para que a operação das equipes de busca prossiga, um trabalho integrado, envolvendo inúmeros órgãos, tem sido posto em prática.

Neste apoio, a Polícia Militar (PM) mobilizou quase mil integrantes da corporação, seja para garantir a segurança de casas que tiveram que ser abandonadas às pressas, evitar o acesso às áreas inundadas pelo mar de rejeito ou auxiliar os trabalhos de uma eventual evacuação de áreas de risco, como aconteceu no terceiro dia após a tragédia, quando sirenes soaram alertando sobre a situação de outra barragem na Mina do Feijão.

O porta-voz da Polícia Militar de Minas Gerais, major Flávio Santiago — Foto: Jorge Soares/G1
O porta-voz da Polícia Militar de Minas Gerais, major Flávio Santiago — Foto: Jorge Soares/G1

De dentro do complexo da Vale, o porta-voz da PM mineira, major Flávio Santiago, observa o traçado do rejeito e conta como foram os primeiros instantes da atuação dos policiais após o estouro da barragem.

“No momento em que rompe a barragem, os policiais que atuam diretamente aqui na cidade, eles chegam primeiro e têm a missão árdua e talvez a mais difícil: socorrer as pessoas, isolar o local”, diz.

Inteligência emocional foi uma das habilidades que os militares tiveram que exercitar desde o primeiro minuto em que passaram a circular, pelo WhatsApp, vídeos e áudios de pessoas que viam a enxurrada de rejeito se aproximar. “Tem que ter inteligência emocional para lidar com a situação de perda entes queridos também”, diz o major.

Sobrevivência

Além de policiais e bombeiros, nos instantes iniciais deste desastre, moradores da cidade também foram decisivos para quem lutava pela sobrevivência.

As marcas da tragédia estão evidentes na pele e nos olhos de Ronan Otávio Ribeiro de Oliveira, de 14 anos. No jeitinho envergonhado do menino, esconde-se uma fortaleza, que garantiu a vida na tarde do último dia 25.

Ronan dos Santos sobreviveu depois de ser arrastado pelo 'mar de lama' — Foto: Jorge Soares/G1
Ronan dos Santos sobreviveu depois de ser arrastado pelo ‘mar de lama’ — Foto: Jorge Soares/G1

Na hora em que a barragem da Vale se rompeu, Ronan nadava num córrego que se transformou em mar – de lama.

“Tem tanta gente muito mais experiente, que tinha muito mais chance de sobreviver e que está morto, e ele – uma criança – graças a Deus sobreviveu a tudo isso e está aí para contar história”, diz a mãe de Ronan, Luciane Ribeiro, de 40 anos.

E a história de Ronan impressiona. Por cerca de quatro horas, ele ficou desaparecido, colocando em xeque a esperança da família, que, por momentos, esvaiava-se.

“A lama seguiu o percurso do córrego, e ele estava nadando lá. Por isso que a gente se desesperou e meu marido achou que não tinha como ele sobreviver. É Deus mesmo, não tem outra explicação”, conta.

Engolindo o que encontrava em seu caminho, a enxurrada de rejeito também arrastou Ronan. Mas a força do menino conseguiu superar à da lama.

“E aí eu nadei na lama e fui pro meio da mata”, relembra o garoto, que, agarrou-se a um coqueiro para conseguir permanecer vivo até que um de seus irmãos o achasse por volta das 17h.

Ronan, a avó Maria da Conceição, e a mãe Luciane — Foto: Jorge Soares/G1
Ronan, a avó Maria da Conceição, e a mãe Luciane — Foto: Jorge Soares/G1

“Foi uma loucura total porque a gente pensava que ele estava sumido, na mesma hora, dava uma esperança; na mesma hora, aquela esperança, alguém fala assim: ‘não, não tem jeito porque o Ronan não tem como ter saído dessa lama, aonde que ele estava, não tem como. Aí outro falava: ‘não, Ronan está do outro lado”, relembra. Luciane diz que, sem esperanças, o marido chegou a pensar em ir embora sem o filho.

“Foi a hora que eu comecei a gritar desesperada: ‘Ronan, Ronan, eu não vou embora sem você, não. Cadê você?’. Aí, eu ouvi vozes e perguntei aos amigos aqui do bairro: ‘gente, vocês estão ouvindo?’. E todo mundo falava: ‘nós estamos ouvindo, O Ronan está bem e está do outro lado’, diz.

Luciane conta que, depois que João Vitor, o filho do meio, conseguiu resgatar o caçula Ronan, o sentimento, mais uma vez, foi de desespero.

“Por que ele já estava com o olho muito inchado, já estava todo roxo assim (…) Você está esperando que vai achar, mas não naquela situação”.

Ronan ficou internado até esta quinta-feira (31), quando pôde, enfim, voltar para casa. “Graças a Deus, hoje, para a minha família, hoje, é só vitória. Apesar de que tem muitas que estão sofrendo demais”, pondera Luciane.

Para as famílias que não tiveram a mesma sorte que a de Ronan, ficam muitas perguntas. Onde estará? Ainda é possível ter esperança? Os culpados serão punidos como a lei determina? E, sobretudo, por quê?

Em busca de uma resposta para esses porquês, a fé e a religião, muitas vezes, trouxeram a força e o conforto para que parentes e amigos atravessassem esta semana de aflição e luto.

Missa foi realizada na Igreja Matriz de São Sebastião — Foto: Jorge Soares/G1
Missa foi realizada na Igreja Matriz de São Sebastião — Foto: Jorge Soares/G1

Na noite desta quinta-feira, na Igreja Matriz de São Sebastião, no Centro de Brumadinho, uma missa de sétimo dia foi celebrada em nome das vítimas da tragédia.

Além do alento das palavras dos padres, aos pés da escadaria da igreja, voluntários, como em tantos momentos durante esta semana, ofereciam solidariedade – desta vez, em forma de abraços e flores.

“A gente sabe quanto que eles estão sofrendo. Muitos até ainda não encontraram seus entes queridos. Aqui é uma cidade que está de luto e parece que é parte de uma cidade que se foi. E ainda é mais difícil de se perguntar por quê”, afirma o Frei Hudson Barcelos.

Culto na Igreja Batista Ebenézer, em Brumadinho — Foto: Jorge Soares/G1
Culto na Igreja Batista Ebenézer, em Brumadinho — Foto: Jorge Soares/G1

Ao mesmo tempo em que a missa de sétimo dia era celebrada, na Igreja Batista Ebenézer, no bairro Tejuco, um culto era realizado. Os fiéis oravam pelas famílias daqueles que se perderam em meio à lama e agradeciam pela vida de quem conseguiu escapar da avalanche de lama. Na mensagem da missionária Andreia de Paula, a mesma tentativa de se responder os porquês de tamanha tragédia.

“Nós cremos em um Deus que trabalha para aquele que espera por ele, e a nossa esperança está em Jesus Cristo de que o Senhor Jesus vai fazer algo sobrenatural em Brumadinho, de que o Senhor vai consolar a família brumadinense, de que Deus vai levantar essa população e que Brumadinho vai superar a dor desse trauma”, disse a missionária.

A angústia das famílias da cidade ganhou um espaço de desabafo nesta terça-feira (29). Na noite daquele dia, dezenas de pessoas se reuniram em torno do letreiro que leva o nome da cidade em vigília e oração. Desde então, o local se tornou cenário de homenagens e protesto. Nesta sexta-feira (1º), dia em que a tragédia completa uma semana, as dez letras amanheceram encobertas por sacos pretos em sinal do luto que assola o município – e todo o país.

FONTE: G1

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