Brumadinho expõe fragilidade do conceito de responsabilidade social corporativa

Brumadinho expõe fragilidade do conceito de responsabilidade social corporativa
Buscas por vítimas e desaparecidos após rompimento de barragem da Vale em Brumadinho — Foto: REUTERS/Adriano Machado

 

O espaço entre a primeira fileira das cadeiras de plástico e o palco improvisado no chão de terra, onde se vê mesas e outras cadeiras, além de um equipamento de som e microfone, era bem grande. E eu me perguntei para que tanta distância. Embora o terreno fosse pequeno, a Gerente Executiva de Meio Ambiente da Vale, Cleuza Josué, precisava usar o microfone para se fazer ouvir e responder às perguntas de alguns moradores de Brumadinho que conseguiram sacudir de si o inevitável sentimento de desconfiança para atenderem ao chamado da Associação de Moradores do Parque da Cachoeira e do Lago (Acopapa) à primeira reunião das vítimas com a Vale. Atingidas pela barragem de lama que deixou, até agora, 110 mortos e 238 desaparecidos, era a primeira vez que aquelas pessoas teriam acesso direto à empresa que causou a tragédia.

A cena me chamou a atenção e assisti ao vídeo feito pela repórter Paula Paiva Paulo aqui para o G1, reparando nos detalhes. Em outra tela, foquei no presidente da Vale, Fabio Schvartzman, que falava aos repórteres, em Brasília, depois de um encontro com a Procuradora Raquel Dodge. Sem chão de terra ou cadeiras de plástico, o executivo respondeu a perguntas de jornalistas no fim do encontro e disse que seu coração está voltado para o sofrimento das vítimas.

Não duvido deste sentimento em momento algum. E ele tem chance de demonstrá-lo ficando mais próximo das vítimas, lado a lado com Cleuza e tantos mais funcionários da Vale, em mangas de camisa, enfrentando o calor e ouvindo as dores, apertando mãos, pedindo desculpas, muitas desculpas. A gerente Cleuza fez o que pôde, mas não conseguiu evitar que ficasse flagrante a distância entre a corporação gigante e aqueles sofridos cidadãos. As cobranças eram quase inocentes. Os moradores querem, por exemplo, que limpem suas casas, que tirem aquela lama, para que a vida possa começar a tomar algum aspecto da rotina rompida de maneira tão avassaladora. Por que não alinhar as cadeiras em círculo, para ouvir melhor, sem ajuda de aparelhos, os lamentos e anotar as reivindicações?

Não foi a única empresa que abusou da propaganda e se esqueceu de levar a sério as propostas, os indicadores que deveriam ser seguidos seriamente para fazer valer o rótulo. Outras tantas também o fizeram. Consequência disso é que o conceito anda em desuso, desacreditado por muitos. A Responsabilidade Social Corporativa começou a entrar forte no Brasil no final do século passado e tinha um nobre objetivo: atrair empresas para mudar paradigmas de produção e ter um olhar cuidadoso ao meio ambiente, ao social, buscando uma economia mais igualitária. Betinho, o sociólogo que iniciou a campanha contra a fome nos anos 90 convocou, num texto veiculado nos principais jornais da época, os empresários a se tornarem cidadãos:

“Sr. Empresário, tem um país lá fora. Na realidade, é o seu maior patrimônio. Que tal dar uma olhada?”

Infelizmente, a convocação continuar sendo necessária em muitos momentos.

Uma das instituições que alavanca o conceito de responsabilidade social corporativa, mais tarde ampliada para desenvolvimento sustentável é o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, surgido no final dos anos 90, protagonista de debates interessantes sobre o tema. A Vale, ainda hoje, é uma das associadas do Ethos. Busquei o site em busca da reprimenda, e lá está o texto regulamentar de avaliação da atuação da mineradora, num tom genérico:

“Os rompimentos de barragens tornam notória tanto a negligência, como as condições dos planos de emergência e a necessidade de tecnologias de menor risco ambiental. Operações de disposição de rejeitos na indústria mineral no Brasil são uma opção política e tecnológica determinadas tanto pelas condições do mercado, quanto pela regulação e, muitas vezes, pela desqualificação da atuação, da voz e da pressão da sociedade civil e dos ambientalistas. Este é o momento de nos debruçarmos sobre estas questões, cobrarmos pelas devidas apurações, investigações, responsabilizações e compensações, mas principalmente exigirmos as necessárias alterações que devem ser implementadas no setor privado, das práticas empresariais e suas governanças, inclusive no âmbito regulatório. E, que isso seja realizado de forma transparente e com intensa participação de todos envolvidos diretamente, da academia e da sociedade civil”, diz a nota.

Por absurda coincidência, no mesmo momento em que a tragédia de Brumadinho expunha a total desconexão entre intenção e gesto da Vale, no que tange a cumprir compromissos e considerar que o lucro não pode ser mais importante do que a vida das pessoas, John Elkington decide tornar público o que chamou de “recall” de seu conceito Triple Bottom Line. Elkington ficou mais conhecido por aqui no início do século com o livro “Canibais com Garfo e Faca” (Ed. Makron) que ocupava a estante de todos que queriam conhecer mais a fundo o conceito de sustentabilidade que começava a crescer no Brasil. Triple Bottom Line foi um conceito criado por ele há 25 anos em que mostrava a necessidade de as empresas seguirem não só os aspectos econômicos, mas também os sociais e os ambientais em sua trajetória.

“Embora tenha havido sucessos, nosso clima, recursos hídricos, oceanos, florestas, solos e biodiversidade estão cada vez mais ameaçados. É hora de subir ou sair do caminho”, diz ele em texto escrito para a Harvard Business Review um dia depois da tragédia de Brumadinho.

Talvez seja o momento de se fazer, aqui no Brasil, um recall do conceito de sustentabilidade. Sob pena de não se conseguir mais o necessário apoio da sociedade civil para a causa. Vai acabar ficando uma conversa em que os maiores interessados não se sentirão convidados a participar.

FONTE: G1

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