Parque mais procurado de MG reduz visitação pela metade e espera ações para garantir 'turismo sustentável'

Há 300 anos, o ouro estava na mira de sonhadores. Atualmente, a “água com cor de Coca-Cola” e a “Janela do Céu”, convidativa para selfies, são as atrações que levam aventureiros ao topo da serra onde fica o Parque Estadual do Ibitipoca.

As belezas espalhadas em meio a um mar de morros fizeram desse parque estadual o mais visitado de Minas Gerais. Mas denúncias de prejuízos causados pelos turistas ao meio ambiente levaram, em 2018, à imposição de um limite de 600 visitantes por dia.

Parque Estadual do Ibitipoca - Turista faz pose para foto na Janela do Céu — Foto: Dimas Stephan/G1

Parque Estadual do Ibitipoca – Turista faz pose para foto na Janela do Céu — Foto: Dimas Stephan/G1

Um ano depois da restrição, ainda faltam investimentos em estrutura, novos planos de manejo e estudos que ajudem a garantir um modelo de “turismo sustentável” na região. A erosão nas trilhas que levam a grutas espalhadas pelos 1.488 hectares de Ibitipoca está no topo da lista de problemas denunciados ao Ministério Público.

Só no ano passado foram mais de 80 mil turistas sobre o solo de quartzito (veja infográfico abaixo) das trilhas que levam a grutas e cachoeiras.

G1 esteve em Ibitipoca para ouvir turistas, comunidade e administradores na série de reportagens do Desafio Natureza que, nesta etapa, avalia como o turismo também pode ser abordado como uma questão ambiental.

Parque Estadual do Ibitipoca - localização — Foto: Igor Estrella/Arte/G1

Parque Estadual do Ibitipoca – localização — Foto: Igor Estrella/Arte/G1

Limite alterado e denúncias

As restrições ao turismo em Ibitipoca começaram em 2006. O plano de manejo estimava que um limite de 800 pessoas por dia não causaria prejuízos para a biodiversidade do parque.

Entretanto, em 2015, o Instituto Estadual de Florestas (IEF), órgão ligado ao Governo de Minas Gerais, liberou a entrada de até 1.200 turistas por dia, apoiado na justificativa de ter realizado melhorias na estrutura.

Após a ampliação, a Promotoria de Justiça de Lima Duarte recebeu denúncias apontando que, entre outros pontos, a nova regra trazia danos à flora e danos ao solo do parque, além de contrariar o plano de manejo e criar demanda incompatível com o total de funcionários.

Parque Estadual do Ibitipoca - trabalhador puxa areia que se acumula nas trilhas pelo pisoteio — Foto: Dimas Stephan/G1

Parque Estadual do Ibitipoca – trabalhador puxa areia que se acumula nas trilhas pelo pisoteio — Foto: Dimas Stephan/G1

Em 2016, o MP abriu investigação. Um estudo preliminar da capacidade de carga apontou o limite de 600 visitantes por dia.

“Os peritos constataram processos erosivos, falta de monitoramento dos visitantes e chegaram a este número”, explicou a promotora Natalia Salomão de Pinho.

Em março de 2018, a promotoria fechou um acordo extrajudicial com o IEF, que se comprometeu a adotar o limite de 600 pessoas.

“O inquérito ainda está em andamento e essa limitação pode mudar. O próximo passo é aguardar o resultado de um estudo mais aprofundado, que será feito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e financiado pelo MP”, disse a promotora Natalia.

O acordo do MP com o IEF também prevê implantar trilhas suspensas, venda online de ingressos e ações de educação ambiental, além da elaboração de um plano de monitoramento de trilhas e outro de manejo para as grutas.

Funcionários, moradores da região e guias afirmam que a única mudança no parque no último ano foi a redução do número de turistas. Nenhuma outra medida saiu do papel. A UFJF também não recebeu o financiamento para execução do novo estudo até a publicação desta reportagem.

Parque Estadual do Ibitipoca - Vista geral da região no circuito da Janela do Céu — Foto: Dimas Stephan/G1

Parque Estadual do Ibitipoca – Vista geral da região no circuito da Janela do Céu — Foto: Dimas Stephan/G1

Desafios do Parque do Ibitipoca

A redução de 1.200 para 600 visitantes no parque é motivo de polêmica em Conceição do Ibitipoca, distrito do município de Lima Duarte que depende do ecoturismo na região. Para especialistas na área, a redução é oportunidade para discutir como medir impacto do turismo e como construir um modelo sustentável.

Abaixo, entenda os principais pontos citados no inquérito (estrutura, erosão, pichação e impacto na vila) e saiba o que dizem especialistas e a comunidade.

Parque Estadual do Ibitipoca - há registro de 32 variedades de bromélia no parque — Foto: Vivian Reis/G1

Parque Estadual do Ibitipoca – há registro de 32 variedades de bromélia no parque — Foto: Vivian Reis/G1

Estrutura e filas

De acordo com o Instituto Estadual de Florestas (IEF), o Parque Estadual do Ibitipoca teve média de 90 mil visitantes nos últimos cinco anos, atraídos pela grande concentração de grutas, cachoeiras e mirantes, rodeados por uma vegetação que se alterna entre campos rupestres, campos de altitude e florestas.

O visitante, segundo o IEF, tem acesso a 2,82% da área total da unidade. A área de visitação é dividida em três circuitos:

  • Circuito da Janela do Céu: com grutas, cachoeiras e mirantes ao longo de 16 km de caminhada, ida e volta, percorridos em aproximadamente seis horas;
  • Circuito do Pião: um trajeto de 9 km de extensão, percorridos em cerca de quatro horas, que inclui as ruínas da capela de Bom Jesus da Serra e duas grutas;
  • Circuito das Águas: que se estende por 5 km onde estão concentradas cachoeiras e piscinas naturais.

Parque Estadual do Ibitipoca - circuitos e atrativos do parque — Foto: Rodrigo Sanches/Arte/G1Parque Estadual do Ibitipoca - circuitos e atrativos do parque — Foto: Rodrigo Sanches/Arte/G1

Parque Estadual do Ibitipoca – circuitos e atrativos do parque — Foto: Rodrigo Sanches/Arte/G1

O primeiro circuito é o mais famoso. “No feriado, a Janela do Céu fica cheia, com 400 pessoas buscando um local que enche com 20. Já fiquei 2 horas e 30 minutos esperando minha turma”, conta Rodrigo Paranhos, o Minhoca, guia turístico e frequentador do parque desde 1982.

O guia avalia que faltam informações para o turista. “As pessoas param na bifurcação, leem a placa ‘Janela do Céu’ e vão sem saber que percorrerão a pé 16 km de trilha para ir e voltar, durante aproximadamente seis horas, com riscos de esgotamento físico e sem bons calçados, água e lanches”, afirma.

Parque Estadual do Ibitipoca - vista a partir do mirante Janela do Céu, atrativo mais procurado da unidade — Foto: Dimas Stephan/G1

Parque Estadual do Ibitipoca – vista a partir do mirante Janela do Céu, atrativo mais procurado da unidade — Foto: Dimas Stephan/G1

Em 2016, ano em que o MP iniciou as investigações sobre os impactos do excesso de visitantes no parque, uma jovem caiu do famoso mirante, após escorregar enquanto fazia uma foto na beira do atrativo. Sobreviveu porque, ao alcançar o final da primeira queda, com mais de 30 metros de altura, parou em um poço.

O gestor do parque, João Carlos Lima de Oliveira, culpou a turista pelo acidente. “Total imprudência dela. Existem placas no local falando que é uma área de risco, temos funcionários próximos, tanto é que o funcionário estava próximo da área. Ela se aventurou a chegar na beirada de uma cachoeira”, afirmou.

Erosão

O parque fica sobre uma formação de quartzito. Esse solo torna a paisagem curiosa porque são visíveis as camadas que compõem as rochas, proporcionando atrativos como o Paredão de Santo Antônio, com dois mirantes, e a Prainha, um banco de areia às margens do Rio do Salto.

Parque Estadual do Ibitipoca - rochas e erosão — Foto: Arte/G1

Parque Estadual do Ibitipoca – rochas e erosão — Foto: Arte/G1

O tipo de rocha também impacta na coloração das águas, ácidas e espumantes, que variam do dourado ao marrom, tingidas pelo tanino das folhas e filtradas pelo solo poroso.

Parque Estadual do Ibitipoca - Pisoteio da trilha forma sulcos, que expõe o quartzito à erosão pela água — Foto: Vivian Reis/G1

Parque Estadual do Ibitipoca – Pisoteio da trilha forma sulcos, que expõe o quartzito à erosão pela água — Foto: Vivian Reis/G1

“O excesso de pessoas nas trilhas aumenta a formação de sulcos, canaletas, erosão chamada voçoroca. Quando a água da chuva passa por ali, ela afunda o solo ainda mais e leva os sedimentos para os rios, causando assoreamento. Hoje, há lagos que tinham profundidade considerável onde hoje a água bate no joelho”, explica Gabriel Fortes, integrante de uma das famílias pioneiras do Ibitipoca e dono da agência Sauá Turismo.

Parque Estadual do Ibitipoca - Trilha em recuperação — Foto: Dimas Stephan/G1

Parque Estadual do Ibitipoca – Trilha em recuperação — Foto: Dimas Stephan/G1

Pichação

A Serra do Ibitipoca abriga pelo menos 70 cavidades, todas elas de quartzito, de acordo com a Sociedade Brasileira de Espeleologia. Nelas vivem aranhas, insetos, anfíbios, algumas espécies de morcegos, pacas, gatos-do-mato e andorinhões, ave migratória que anualmente deixa o frio do Canadá para o período de acasalamento no Brasil.

No parque, nove cavernas estão abertas à visitação e cada uma ajuda a recontar a história da colonização da região, como a Gruta dos Viajantes, que servia de abrigo para muitos tropeiros, e Gruta dos Fugitivos, que foi esconderijo para escravos.

G1 encontrou marcas deixadas por turistas em algumas grutas, que assinaram seus nomes por meio da fricção de pedras nas paredes.

Parque Estadual do Ibitipoca - marcas deixadas por turistas nas paredes de grutas são alvo de inquérito — Foto: Dimas Stephan/G1

Parque Estadual do Ibitipoca – marcas deixadas por turistas nas paredes de grutas são alvo de inquérito — Foto: Dimas Stephan/G1

“Atribuímos isso a ação de vândalos. Pichações nós temos no mundo todo, inclusive aqui, infelizmente. As pessoas querem deixar sua marca, seu nome e a data de quando estiveram aqui. Mas é importante destacar que essas marcas são da década de 1980. Nosso público hoje é muito diferente, mais consciente”, disse João Carlos Lima de Oliveira, gestor do parque.

Parque Estadual do Ibitipoca - Cachoeirinha, um dos atrativos no circuito Janela do Céu — Foto: Dimas Stephan/G1

Parque Estadual do Ibitipoca – Cachoeirinha, um dos atrativos no circuito Janela do Céu — Foto: Dimas Stephan/G1

Vila

O parque fica a 100 km de Juiz de Fora e abrange os municípios de Bias Fortes, ao leste, Santa Rita do Ibitipoca, ao norte, e Lima Duarte, ao sul e ao oeste. Lima Duarte, cujo nome homenageou em 1884 o visconde José Rodrigues de Lima Duarte, ministro da marinha e senador do Império à época, possui diversas vilas, entre elas, Conceição do Ibitipoca, que abriga pousadas e restaurantes a 3 km da portaria do parque.

Se por um lado são beneficiados pela alta procura dos turistas, por outro, os moradores e comerciantes de Conceição reconhecem que a vila de pouco mais de mil habitantes não tem estrutura para atender a um grande volume de visitantes.

“As datas mais difíceis e complicadas são os feriados. É quando falta água e luz porque a população flutuante triplica”, afirma Márcia Macambira, chef e dona do restaurante Serrafina, acrescentando que o trânsito fica caótico, com tempos de percursos que saltam de 5 minutos para 40 minutos.

Parque Estadual do Ibitipoca - rua da Vila de Conceição de Ibitipoca, que parte da cidade de Lima Duarte. — Foto: Dimas Stephan/G1

Parque Estadual do Ibitipoca – rua da Vila de Conceição de Ibitipoca, que parte da cidade de Lima Duarte. — Foto: Dimas Stephan/G1

Avanços na estrutura

Na opinião dos moradores do Ibitipoca, o parque não suportou o limite de 1.200 visitantes em feriados devido à falta de infraestrutura e organização para esse volume de turistas.

“O parque está lindo e tem uma ótima estrutura, mas se quer receber mais gente, tem que melhorar. A venda online de parte dos ingressos poderia evitar filas; abordagens simples, como a distribuição de pulseiras de cores diferentes para cada circuito poderiam evitar superlotação em atrativos; se todos que assistissem a um vídeo de educação ambiental na entrada, talvez reduziria a ocorrência de pichações”, avalia o guia Gabriel Fortes.

Parque Estadual do Ibitipoca - uma das grutas espalhadas pela área do parque — Foto: Dimas Stephan/G1

Parque Estadual do Ibitipoca – uma das grutas espalhadas pela área do parque — Foto: Dimas Stephan/G1

O turismólogo e gestor da Associação dos Municípios do Circuito Turístico Serras de Ibitipoca, Márcio Lucinda, aposta na abertura de novos atrativos dentro e fora do parque.

“É necessário que se discuta a possibilidade de abertura de mais um ou dois roteiros dentro do parque, como o roteiro ‘Circuito das Águas parte alta’. A criação de um acesso ao norte do parque também reduziria o pisoteio das trilhas, pois ao invés de ir e voltar para a portaria principal, os turistas atravessariam a serra uma única vez e gerariam desenvolvimento para as comunidades do entorno, distribuindo melhor o turismo na região”, afirma Márcio Lucinda.

Parque Estadual do Ibitipoca - águas 'cor de coca-cola' atraem milhares de turistas a Ibitipoca todos os anos — Foto: Dimas Stephan/G1

Parque Estadual do Ibitipoca – águas ‘cor de coca-cola’ atraem milhares de turistas a Ibitipoca todos os anos — Foto: Dimas Stephan/G1

Um dos responsáveis por ajudar a definir o destino do turismo no Parque Estadual do Ibitipoca é o pesquisador Cezar Henrique Barra Rocha, líder do Núcleo de Análise Geo-Ambiental (Nagea) da UFJf.

A equipe do pesquisador já realizou estudos de capacidade no parque, sempre por meio do método de Miguel Cifuentes, que leva em consideração as trilhas, e não os atrativos.

“A capacidade física do Lago dos Espelhos, por exemplo, é de 12.500 turistas por dia. Quando entram fatores de correção, como raízes expostas, falta de estrutura física e comunicação no trajeto, essa capacidade cai para 104 visitantes”, afirmou o professor. “Corrigindo esses problemas, a capacidade poderia aumentar”, disse.

Parque Estadual do Ibitipoca - pontos de circuito da água — Foto: Dimas Stephan/G1

Parque Estadual do Ibitipoca – pontos de circuito da água — Foto: Dimas Stephan/G1

Para alguns especialistas, como o professor Sidnei Raimundo, da Universidade de São Paulo (USP), outros métodos podem ser mais eficientes do que o estudo da capacidade de carga. “O estudo da capacidade de carga é frágil porque foca em números”, afirma o professor.

“Para que ocorra turismo sustentável é preciso pensar em um tripé: uma perna é a resiliência do local, a outra são os moradores do entorno e, no meio, o visitante. Os métodos VIM (Visitor Impact Management) e LAC (Limits of Accetable Change) trabalham com isso”, explica.

“Em outras palavras, um turismo sustentável é aquele que considera o ambiente por meio de técnicas que garantam sua capacidade de regeneração, que envolvam as comunidades locais nos processos de decisão, e que o visitante tenha acesso a um conjunto de atividades de forma que seja mais emancipatório, uma abordagem ambiental mais emancipatória”, disse o professor Sidnei Raimundo, da USP.

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