No domingo, brasileiros decidem também sobre o meio ambiente

Na reta final, tema é alçado ao centro da disputa. Incerteza dos planos de Bolsonaro gera alerta internacional, preocupa ambientalistas e até agronegócio. Haddad leva Amazônia para o horário eleitoral.Tema habitualmente marginalizado nas eleições, o meio ambiente ganhou destaque nesta reta final. A preocupação de líderes de outros países com o possível descumprimento do Acordo de Paris levou a mudanças de posição na campanha de Jair Bolsonaro (PSL). Por sua vez, Fernando Haddad (PT) levou a pauta da Amazônia para o horário eleitoral gratuito. Como em outras áreas, as posições dos candidatos são antagônicas.

Nas últimas semanas, as posições de Bolsonaro sobre o clima repercutiram internacionalmente, em especial a sinalização de saída do Acordo de Paris, compromisso internacional discutido entre 195 países com o objetivo de minimizar as consequências do aquecimento global.

O presidente Sebastián Piñera, do Chile, e o premiê Pedro Sanchéz, da Espanha, estão entre os que se manifestaram negativamente em relação à posição do candidato do PSL. Na Assembleia Geral da ONU, em setembro, o presidente francês, Emmanuel Macron, pediu que não sejam assinados acordos comerciais com países que não respeitam o acordo.

Procurado pela DW Brasil, o eurodeputado alemão Peter Liese, da União Democrata Cristã (CDU), mesmo partido da chanceler federal Angela Merkel, disse que o Parlamento Europeu vê a possível eleição de Bolsonaro com grande preocupação.

“Nos últimos anos, o Brasil foi um parceiro confiável, inclusive nas áreas do clima e proteção ambiental. Eu não consigo imaginar que meus colegas aceitem sem contestação a saída de acordos internacionais. Sem dúvidas, trará consequências negativas às relações comerciais entre o Brasil e a União Europeia”, disse Liese, que faz parte da Comissão para Questões Ambientais e da Delegação de Reuniões Parlamentares Europa-América Latina.

Como já fez em outros momentos de polêmica durante a campanha, a equipe de Bolsonaro sinalizou uma mudança de posição sobre o tema após a repercussão negativa e pressão do agronegócio – em 2017, as exportações do setor somaram 96 bilhões de dólares. Sem essa contribuição, a balança comercial teria sido deficitária em 15 bilhões de dólares.

Ao aderir ao Acordo de Paris, o Brasil se comprometeu a cortar as emissões de gases e efeitos estufa em 37% até 2025 e 43% até 2030. No início deste mês, o ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, informou que, segundo indicadores, o Brasil poderá alcançar metas do tratado antes do previsto, para ampliá-las posteriormente. Na ocasião, ele também criticou a posição de Bolsonaro: “Coloca em risco os negócios do Brasil, sobretudo de exportações”.

Um estudo conduzido por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas, órgão que monitora o desmatamento na Amazônia, estimou que a perda da floresta pode triplicar caso o candidato do PSL coloque em prática suas promessas para a área ambiental.

A incerteza sobre a agenda ambiental vem preocupando não só ambientalistas, mas também representantes do próprio agronegócio – tradicionalmente em lados opostos do debate. No último dia 18, a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura emitiu uma carta endereçada aos candidatos na qual reafirma o compromisso do país com o planeta para assegurar a segurança alimentar, hídrica e climática da humanidade. Entre os 180 signatários estão empresas como Amaggi, Cargill, Fibria e Carrefour, além de ONGs como o Ipam, Imazon e WWF.

“A agricultura brasileira depende de condições climáticas, como chuva, umidade e temperatura. Essas condições só podem ser asseguradas pela conservação das florestas. As áreas protegidas, por exemplo, sejam elas unidades de conservação, terras indígenas ou territórios quilombolas, ajudam a preservar os serviços ecossistêmicos prestados pelas florestas e fundamentais para o agronegócio, como a água, a redução de erosão, a atenuação de extremos climáticos, os polinizadores e o habitat necessário aos controladores de pragas e doenças”, diz o documento, para defender a necessidade de diálogo entre os setores.

Um dos pontos mais enfatizados pelo grupo é a defesa da permanência do Brasil no Acordo de Paris. Em oposição a Bolsonaro, o programa de Haddad fala em tornar o cumprimento ao acordo uma referência para outros países em desenvolvimento. O primeiro e único signatário a tomar a decisão de sair do acordo foram os Estados Unidos, no governo de Donald Trump. No Brasil, é necessária aprovação do Congresso.

O diretor-executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), André Guimarães, afirma ser importante separar falas de campanha daquilo que efetivamente será feito no governo. Entretanto, ressalta que medidas com essa relevância precisam ser amplamente discutidas com diversos setores da sociedade.

“Além dos sérios impactos ambientais e econômicos que esse movimento poderia acarretar, a saída do Brasil enfraqueceria a Convenção do Clima como um todo, especialmente após a decisão do país líder em emissões (EUA). Isso fragiliza substancialmente o Acordo como um todo, e coloca o planeta em um risco maior do que já está. Essa decisão brasileira precisa ser bem avaliada, pois tem implicações e riscos múltiplos para o país e a estabilização climática de todo o planeta”, avalia.

Luiz Cornacchioni, diretor-executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), classifica a iniciativa como um desastre sob o ponto de vista do comércio internacional. Ele ressalta que, embora as exigências da União Europeia sejam vistas como o principal entrave em uma possível saída do acordo, a China vem dando importância cada vez maior às metas ambientais.

“Só quem nunca negociou lá fora, nunca foi fazer qualquer tipo de promoção comercial do Brasil, acha que isso não faz diferença. Faz, e muita. Quando chegamos a Bruxelas para fazer qualquer coisa, somos cobrados imediatamente com relação à sustentabilidade. Só quem tem uma visão acanhada acha que esse negócio para em pé fora do acordo”, comenta.

O programa de governo de Bolsonaro traz uma única menção ao termo “meio ambiente”, quando fala em unificar, em um só ministério, a questão ambiental com a agropecuária, a pesca e o desenvolvimento rural. Em seu plano, também aparece uma menção específica a uma percepção mais ampla do candidato, de que haveria um rigor excessivo na fiscalização ambiental. O texto aborda as barreiras “quaintransponíveis” para a construção de usinas hidrelétricas. Em entrevistas, Bolsonaro já criticou o que chama de “indústria da multa” do meio ambiente, citando órgãos como o Ibama e o ICMBio.

Dois dias após o primeiro turno das eleições presidenciais, o capitão reformado do Exército afirmou que pretende acabar com o “ativismo ambiental xiita” e também com a “indústria de demarcação de terras indígenas”. Na ocasião, o candidato do PSL falou em dar “retaguarda jurídica” aos produtores rurais, para que se defendam de invasões de terras.

Já o programa de Fernando Haddad dedica um dos cinco grandes eixos para tratar exclusivamente da agenda ambiental. Sob o guarda-chuva do Programa de Transição Ecológica, estão elencadas propostas como a tributação sobre a emissão de carbono e o investimento em fontes energéticas renováveis (solar, eólica e biomassa). A fim de atrair apoio de representantes do agronegócio, o petista incluiu propostas favoráveis ao setor no segundo turno, como a facilitação de crédito aos produtores e o policiamento rural.

Além disso, Haddad levou a agenda do meio ambiente para o horário eleitoral gratuito na televisão, defendendo a importância da soberania nacional na Amazônia. A peça criticava declarações de Bolsonaro sobre o assunto. Na précampanha, o candidato do PSL afirmou que “a Amazônia não é nossa” e se disse favorável à exploração econômica da floresta. Ao defender a necessidade de preservar a região, elencou como problemas “as enormes reservas indígenas”.

 

FONTE: PORTAL UOL 

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